Sei que não deveria ligar á essa hora, você está cansada e não quer atender, eu sei.
Mas precisava ouvir esse teu silêncio novamente, se esvaziando tanto de mim, e eu me esvaziando do orgulho... Eu deveria até me envergonhar por isso, submisso de um sentimento.
Tenho sentido medo, medo...
Larguei o emprego como disse que faria, desculpa, não via sentido mais naquele lugar, vendi o carro, vou deixar a barba crescer, tenho preguiça, você sabe. Tenho acordado todas as manhãs um pouco mais cedo, abro as janelas antes de sair do quarto, faço café, e me sento á mesa para ler o jornal, confundo-me com a leitura em voz alta, e por vezes não pareço estar só. Assisto novelas, às vezes pareço rir, e me pego ausente de mim, ausente de ti, ausente.
Adotei um gato como você sempre quis, arrumo a cama todas as manhãs, organizo os livros que não leio, e nunca mais bebi água sem ferver, que é pra me ver um pouquinho mais em ti.
O tempo está frio, e apesar de gostar do inverno, há tempo sinto pouca vontade de sair de casa, e não saio.
Os dias tentam me convencer que vai ser assim, e eu nego.
...Amor, liguei porque eu preciso que me escute de novo....
Espero ainda que você volte.
Enquanto isso, eu vou me matando, sozinho.
Não demora.
Eu te amo
São Paulo,Abril de 1992